quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Crítica: Capitães da Areia (2011)


74 anos após sua publicação, a elogiada obra de Jorge Amado, enfim chega às telas de cinema, 100 anos após seu nascimento. Uma adaptação um tanto quanto obrigatória, logo que se trata de um dos livros brasileiros mais importantes, e também pelo fato de possuir uma história interessante, que funciona também como filme e por ainda ser atual, mesmo narrando uma trama dos anos 30.

por Fernando Labanca

Dirigido por Cecília Amado, neta de Jorge Amado, o longa conta com um elenco de atores formados em comunidades carentes de Salvador, mostrando assim, mais realismo a história contada. Na adaptação, conhecemos os Capitães da Areia, crianças que vivem num trapiche na beira de uma praia na Bahia dos anos 30, passam as horas nas ruas furtando os desatentos, em busca de alimento e em busca daquilo que eles almejavam, uma vida mais digna, num mundo onde viam todas as portas se fechando para eles, e roubar passa a ser o único modo de seguir em frente. Estão lá todos os personagens clássicos, Pedro Bala (Jean Luís Amorim), o líder; Professor (Robério Lima), o estudioso e que levava a magia da imaginação para os garotos; Gato, Sem-Pernas, Boa-Vida, Pirulito, entre outros.

Tudo muda com a chegada de Dora (Ana Graciela) e seu irmão, Zé Fuinha. Recém órfãos, os dois acabam conhecendo Professor, que os leva para o trapiche, revoltando todos os Capitães, inclusive Pedro Bala, por ter uma garota no meio deles. Mas com a convivência, eles passam a enxergar Dora com outros olhos, ela passa a ser mãe, amiga, aquela que cuida, que abraça, passa a mudar o modo como todos viviam, os mostra esperança, e mostra para Pedro, um sentimento até então desconhecido, o amor.


Quem, assim como eu, que admira a obra de Jorge Amado, dificilmente sairá [tão] decepcionado das salas de cinema. Cecília Amado parece ter captado exatamente o que seu avô queria transmitir com "Capitães de Areia", todo o sentimento, a poesia, sim, aquela boa e doce poesia de cada diálogo, retorna com grande beleza nas mãos da diretora, que realiza um trabalho digno, e sendo este seu primeiro trabalho, só podemos ter a certeza de que está no caminho certo. Há cenas muito bem planejadas, bem filmadas, ajudada pela ótima fotografia, o bom uso da câmera lenta, os ótimos cenários e belas locações e a combinação perfeita com a trilha sonora assinada por Carlinhos Brown. Mais uma vez, o roteiro é muito bem escrito, Cecília trás toda aquela beleza da Bahia, e assim como havia poesia nas palavaras de Jorge, ela trasmite poesia em cada cena. Vemos, então, não uma adaptação apenas com fins lucrativos, vemos um filme que respeita seu criador, que respeita aqueles que admiraram a obra, parece ser algo despretencioso, sem querer disputar com grandes produções ou sem querer entrar para a história, vem para nos relembrar a qualidade de uma literatura pouca valorizada.

Por outro lado, Cecília Amado resolveu amenizar muitos elementos, e isso acaba que sendo um lado negativo, no fim das contas. Tudo é tão sutil, que o que tinha extrema força na obra de Jorge surge nas telas ainda com beleza, mas não com a mesma intensidade. Vejo o desenvolver de Dora, onde no livro ela é o ponto crucial de tudo, a importância que ela passa a ter na vida deles e no filme, isso é infelizmente pouco explorado, e a forma sutil de mostrar essa passagem acaba que pesando no final da trama que de longe não tem a mesma intensidade da obra original. A relação dos garotos com a menina é apenas um pequeno detalhe, a não ser, sua relação com Pedro Bala, essa sim, feita com bastante delicadeza. A presença do padre também é pouco mostrada, não vemos o homem que sofre por querer ajudar os meninos, o que impede de vermos o quanto é difícil mudar a vida daqueles garotos. Outro ponto pouco explorado e que fez muita falta foi o desenvolver do Sem-Perna, o personagem mais complexo do livro, aqui é apenas um muleque chato, o que dizer de seu final? ignorado e um dos momentos mais emocionantes do original onde ele se envolve com a família que iria fazer um grande furto, é muito sutil e de pouca emoção. Ou seja, parece que resolveram seguir o caminho mais fácil, e os momentos em que exigiam uma força maior, de grande complexidade são deixados de lado.

Os atores realmente não fazem um trabalho brilhante, mas trazem realismo a trama e não estragam o projeto. Há beleza, tanto nos diálogos quanto nas imagens, boa música, boa direção. Peca por não conseguir e por muitas vezes evitar emocionar tanto quanto o livro, faltou mais emoção em inúmeras passagens, além de toda a complexidade dos personagens ter sido ignorada. Vale a pena, ainda há muito de "Capitães de Areia" no filme, mesmo faltando passagens, somando cenas, e alterando algumas sequências dos fatos, recomendo, assim como recomendo o livro. Um filme verdadeiramente nacional, que explora nossa cultura e leva como referência a história do nosso povo, sem querer ser pretencioso ou imitar obras estrangeiras, sem querer ser mais do que é, um filme pequeno, sutil, leve, divertido e bonito de se ver! Merece ser apreciado.

NOTA: 7



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