sexta-feira, 7 de março de 2014

Crítica: Ela (Her, 2013)


Vencedor do Oscar 2014 de Melhor Roteiro Original, "Ela" trás aos cinemas uma das histórias mais inusitadas que tivemos a oportunidade de ver nos últimos anos. Escrito e dirigido por Spike Jonze, que prova ser um dos cineastas mais competentes e mais criativos da atualidade, que tem o dom de lançar uma obra-prima a cada nova estreia. Vemos aqui, um filme extremamente inteligente, tocante e memorável.

por Fernando Labanca

Em um futuro não muito distante, conhecemos o solitário Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor que ainda deprimido e inconformado por sua separação, passa suas horas no trabalho e o restante jogando video-game em seu apartamento, preso nas lembranças que tem de sua ex-mulher (Rooney Mara), a mulher que acreditava ser a certa para ele. Até que curioso por um novo lançamento no mercado, Theodore instala em seu computador um sistema operacional bastante instigante e que parece resolver sua solidão, uma inteligência artificial que conversa com seu usuário, que evolui a cada novo diálogo, que é capaz de amar. É assim que ele conhece Samantha (Scarlett Johansson), a única que parece compreender suas falhas, que faz ele dizer o que sente, se sentir acolhido, a única por quem ele consegue finalmente se apaixonar. 



"Ela" é uma ficção científica bastante interessante, e um tanto quanto inovadora. Sem carros flutuantes, nem máquinas controladoras, Spike Jonze não está tão interessado no quanto o mundo evoluiu -sim, isso é importante para a trama, mas não é tudo. - o que vemos na tela é a evolução dos relacionamentos, que ironicamente parece regredir com o avanço da tecnologia, ele está interessado no sentimento dos humanos, seres que surgem de forma frágil, sempre tão vulneráveis, tão solitários, que não encontram prazer naquilo que o mundo lhes oferece, que precisam pagar a uma empresa para dizer o quanto amam alguém, que precisam de um software para conseguir se relacionar. Ainda que o brilhante roteiro saiba trilha essas frustrações para a comédia, e sim, as piadas funcionam e garantem boas cenas, é difícil não se sentir tocado por este mundo, rimos do constrangimento daqueles personagens, ainda que no fundo sofremos pelo vazio de suas vidas. Spike Jonze merece respeito pela forma genial com que escreveu este universo, de maneira tão delicada e tão natural, que cria um futuro diante da necessidade de compreender o presente. "Ela" é, portanto, um estudo complexo e bastante atual sobre os relacionamentos, sobre esta nova sociedade, que procura sempre soluções fáceis, que parece querer estar distante de tudo aquilo que é real, que nasce tão individualista, que já não sabe o que é olhar no olho mas tem extrema facilidade em escrever os caracteres certos para conversar com alguém. 

Se como roteirista, Jonze provou ser um gênio há muito tempo, como diretor ele nunca esteve tão seguro e tão maduro quanto agora. É um filme muito bem planejado, a cada nova sequência um novo momento a ser admirado. As cores usadas se mostram propositais, é curioso como em todas as cenas o magenta que remete a Samantha está presente. Todo o design de produção merece destaque, não foi a toa sua indicação ao Oscar, desde as cores com tons saturados a todas as escolhas visuais que embelezam e engrandecem a obra. Da bela fotografia, aos ótimos efeitos visuais e sonoros, ao interessante figurino que curiosamente remete aos anos 60, talvez tenha sido mais uma forma deles dizerem o quanto estamos regredindo. Vale citar a belíssima trilha sonora composta bela banda Arcade Fire, além, é claro, de "The Moon Song" composta por Karen-O - repetindo a parceria de "Onde Vivem os Monstros" - nascendo, mais uma vez, uma grande canção. 


Joaquin Phoenix pode facilmente ser colocado com um dos melhores atores da atualidade, é fantástica sua performance, sua entrega comove, seu sorriso tímido e seu olhar apaixonado, sua fragilidade em compor com tanto realismo e naturalidade este que é mais um personagem memorável em sua filmografia. Scarlett Johansson surpreende ao se fazer presente apenas com sua voz, a maneira dócil com que pronuncia cada palavra, ela evolui em cena, se é que isso era possível. No elenco ainda temos a sempre incrível Amy Adams e pequenas participações de Rooney Mara, Olivia Wilde e Chris Pratt. 

Com seu roteiro fantástico, o filme trás ideias tão novas, se mostra criativo e ousado em cada sequência, nos faz acreditar um pouco mais na sétima arte, que nos prova que ainda há espaço para histórias como essa, que ainda há cineastas capazes de trazer algo tão diferente, tão original. Em algumas partes, porém, devo citar, o filme me pareceu um pouco arrastado e um pouco repetitivo em relação ao drama vivido por Theodore e sua ex-esposa, acredito que o roteiro poderia ter explorado melhor alguns elementos e não ter ficado tão prezo aos dois. 

Em suma, vi um filme futurista que se tem a capacidade de emocionar da forma que emocionou é justamente devido ao fato dele ser tão parecido com o mundo atual, é Spike Jonze, mais uma vez, se utilizando de suas ideias mirabolantes e da fantasia para compreender a realidade. É chocante a cena em que várias pessoas andam pelas ruas, sem se trombarem, cada uma conversando com o seu sistema operacional, uma voz sem corpo, sem alma, que apenas reproduz aquilo que aprende, e este universo não me parece tão distante daquilo que vivemos hoje, e é assim que a obra se torna tão assustadora, tão melancólica. Em certo momento a personagem de Amy Adams diz: "Apaixonar-se é uma loucura. É uma forma de insanidade socialmente aceitável", mais do que falar sobre a influência da tecnologia nas relações, a obra é também sobre isso, sobre se sentir seguro ao lado de alguém, sobre intimidade, sobre aquela pessoa que podemos trocas as conversas mais idiotas e ainda assim se sentir normal, e confesso, há muito tempo não via um filme que traduzisse tão bem esses sentimentos.  Com diálogos excepcionais e atuações marcantes, "Her" com toda a certeza terá um espaço na memória daquele que assiste. Inteligente, original e emocionante. Recomendo. E Muito. 

NOTA: 9.5





País de origem: EUA
Duração: 126 minutos
Distribuidor: Sony Pictures
Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Chris Pratt, Rooney Mara, Olivia Wilde
Diretor: Spike Jonze
Roteiro: Spike Jonze

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